domingo, 12 de fevereiro de 2012

Noticias da Padeira.

A antiga Feira do Pão

O pitoresco deste curioso mercado tripeiro pairava por todo o lado

Foi exactamente há cem anos, completados no dia 26 do passado mês de Maio, que as últimas padeiras que ainda vendiam pão no antigo Largo da Feira do Pão, a actual Praça de Guilherme Gomes Fernandes, se transferiram para o vizinho mercado do Anjo.

Foi a machadada final num dos mais antigos e pitorescos mercados que se faziam na cidade.

Era tão antiga a Feira do Pão que se fazia no Porto, que se não conhece a data da sua fundação.

Sabe-se, no entanto, que por meados do século XIX já se dava o nome de Praça da Feira do Pão ou, somente, Praça do Pão, à antiga Praça de Santa Teresa, alusão ao convento de S. José e Santa Teresa das Carmelitas Descalças que fora edificado em 1704, em terrenos do medieval Campo da Via Sacra ou do Calvário Velho como era conhecido o espaço compreendido entre a actual Rua da Galeria de Paris e a já referida Praça de Guilherme Gomes Fernandes.

À Feira do Pão vinham vender, sobretudo, as afamadas padeiras de Valongo e de Avintes. As primeiras transportavam os seus apreciados produtos sobre o dorso de animais, nomeadamente éguas ou burros que eram conduzidos à arreata. As padeiras de Avintes traziam a célebre boroa, que se produzia (e ainda produz) naquela vizinha freguesia de Vila Nova de Gaia, em pequenos barcos que elas próprias conduziam remando até às chamadas "Escadas das Padeiras", na Ribeira. Daqui, o trajecto até ao sitio da feira era feito, com a cestas do pão à cabeça, era feito a pé através das ruas de S. João, Flores, Clérigos e Carmelitas.

Na praça, onde decorria a venda, as mulheres de Valongo dispunham as sua mercadoria na parte mais elevada da praça formando em regra duas filas. As de Avintes ocupavam o lado oposto formando também entre duas a três filas. Os dias de maior concorrência, sem ter em conta as vésperas das grandes festas cíclicas, como era o caso da Páscoa e do Natal, eram as terças, quintas e sábados. Nestes dias o número de vendedeiras aumentava na proporção dos clientes. Nesses dias o mercado por vezes estendia-se à vizinha Praça de Teixeira Gomes, antiga Praça dos Voluntários da Rainha, onde se fazia uma outra importante feira, esta de farinhas e cereais.

O local onde se fazia a Feira do Pão era, por essa altura, um dos mais pitorescos e animados do Porto.

No Largo da Feira do Pão havia, por exemplo, cerca de quarenta frondosas árvores debaixo de cujas copas se refugiavam as padeiras nos dias quentes do Verão.

A parte mais elevada da praça, isto é a poente, era debruada por uma fieira de casas de rés do chão e andar em cujos baixos funcionavam pequenos estabelecimentos, nomeadamente mercearias, lojas de venda de farinhas e cereais e algumas tabernas com anexos para recolha e alimentação de animais - o que era de enorme utilidade, especialmente para as padeiras de Valongo.

Um dos mais célebres restaurantes da feira era o "João do Buraco" onde, segundo uma referência feita pelo jornalista Firmino Pereira, "se saboreavam magníficos petiscos e se bebia a excelente pinga do Douro, de Amarante e de Basto…"

Nos baixos de um edifício que não ficava muito longe da referida taberna funcionava a Redacção e oficinas de um célebre diário politico, o "Correio do Porto", que iniciou a sua publicação a 27 de Setembro de 1820, ou seja pouco mais de um mês depois da Revolução Liberal de 24 de Agosto daquele ano.

Sensivelmente ao centro do terreno onde se fazia a feira havia uma fonte, a velhinha Fonte de Santa Teresa, do tempo, portanto, em que o largo tinha, também, esta designação, e junto dela um tanque que servia para os animais ali se dessedentarem.

E, por falar em animais, na parte mais baixa do amplo logradouro, corria um muro que delimitava a cerca do antigo convento das Carmelitas. Por meados do século XIX havia uma porta nesse muro que dava acesso a uma espécie de terreiro onde se vendia erva e palha para as muares que desde Valongo transportavam o alvo pão de Valongo para o Porto.

Tudo o que acima se evoca. Há muito que desapareceu. Só pelas descrições que nos ficaram sabemos de como era rumorejante e animada a velhinha Feira do Pão que se fazia na antiga Praça de Santa Teresa e que tinha como principais protagonistas, como escreveu Horácio Marçal, "…. essas limpas, corpulentas e belas moças de Avintes e de Valongo".

Nos últimos tempos da feira, as vendedeiras já não colocavam sobre o empedrado do largo os açafates com as loiras regueifas ou as tostadinhas boroas. Dispunham de bancas de madeira que o Município mandara colocar na parte central do terreiro. Mas tudo isso já desapareceu e isso foi há mais de um século…

in: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=1261886&page=-1

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